Reflexões de um professor de História em férias - parte 2

26/01/2019 17:40

Certa vez, uma aluna me perguntou porque os professores reclamavam tanto dos salários e se não era o caso de, simplesmente, deixar a profissão e tentar coisa melhor. Respondi a ela e, nos dias seguintes, me coloquei a pensar sobre o assunto e a expandir o que eu havia dito a aluna.

Diante da pergunta feita por ela, abordei o assunto da seguinte forma: a reclamação é, até certo ponto, justa. Mostrar insatisfação não significa, necessariamente, "cuspir no prato que come" e ter que deixar aquela atividade para buscar algo melhor. Imagine se todos deixassem de fazer alguma coisa quando fossem confrontados com insatisfações! E quando digo que a reclamação é justa "até certo ponto", é porque se deve pensar em outros lados, sendo o principal deles a atitude de quem reclama. Reclamar de tudo só para ser "do contra" é nocivo em um ambiente no qual profissionais convivem no mesmo barco e com os mesmos problemas da profissão; mas, mostrar-se insatisfeito e buscar soluções é um caminho que ajuda a melhorar o ambiente profissional. Quando falo em "buscar soluções" no meio profissional da educação, refiro-me, principalmente, às cobranças ao sistema: questionamento de políticos sobre o que estão fazendo pela educação (e hoje a internet facilita a aproximação com esferas de governo antes consideradas "inacessíveis"), questionamento da hierarquia (por exemplo, diretores ou inspetores) quando estes interpretam equivocadamente uma lei ou uma resolução [1], sindicalização (e cobrança das lideranças sindicais para que não se tornem "pelegas" de governos ou partidos), aprimoramento pessoal para aproveitar oportunidades (o trabalho com educação oferece múltiplas possibilidades de atuação).

Depois da resposta dada ao questionamento da aluna, foram pensadas outras possibilidades para ampliar a análise. Normalmente (baseado em experiências como professor), alunos tendem a achar altos os salários dos professores (em Minas Gerais, por exemplo, um professor da rede estadual recebe, como salário bruto, pouco mais de 2100 reais por uma jornada de 24 horas semanais); por isso, veem como "sem razão" as insatisfações dos mesmos. Em várias oportunidades, destaquei, quando questionado, que os salários podem ser objeto de insatisfação quando se leva em conta o nível de preparação intelectual e acadêmica exigida do professor para o cargo no qual atua. Além disso, há um fator que vai além do material e que aparece em certos "discursos pedagógicos": a ideia de que a profissão docente é um "sacerdócio" ou uma "missão". Enxergar o professor como um "sacerdote" ou um "missionário" é desvalorizá-lo como profissional, pois a ideia em torno dos missionários é a de que devem suportar adversidades sem reclamar e não devem esperar recompensas materiais (sua recompensa está em outro plano). O professor deve ser visto como aquilo que é: um profissional! E, como profissional, precisa exercer suas atribuições tendo condições dignas de trabalho, salários compatíveis com o nível de preparo para a profissão e o nível de cobranças da mesma, condições de formação contínua para constante aprimoramento profissional e acadêmico, reconhecimento social e combate aos pares que, na profissão, a exercem com proposital má qualidade (estes prejudicam a visão geral da sociedade sobre os professores).

Estas e outras questões devem ser cada vez mais frequentes nos debates sobre a educação escolar; sem levantar tais questões e sem chamar ao debate os principais envolvidos no processo educacional, não é possível combater problemas da educação nem propor soluções que sejam sólidas para resgatar a qualidade do ensino no Brasil.

 

[1] É fato que o questionamento da hierarquia implica em situações desagradáveis (ainda mais para quem, na escola, é contratado e não é concursado), mas o questionamento é possível quando é feito em conjunto, com bases na lei ou resolução que rebatam a interpretação equivocada e evocando, como argumento, a ideia de "gestão democrática" tão apregoada nos discursos pedagógicos.

 

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