Adaptações teatrais

25/10/2017 10:19

Abaixo, compartilho com os amigos, colegas e interessados os roteiros que serviram como base para apresentações teatrais na Escola Estadual Professora Norma de Brito Piedade Martins (Elói Mendes/MG). São adaptações das obras "Divina Comédia" (Dante Alighieri) e "Auto da Barca do Inferno" (Gil Vicente). O que está sendo publicado são os roteiros originais que escrevi, mas há que se dar créditos a professora Maria Aparecida da Silva, que adaptou os roteiros, acrescentou trilhas sonoras e criou as coreografias, além de ter providenciado o figurino dos atores e coordenado a maior parte dos ensaios junto aos alunos.

 

Adaptação da obra Divina Comédia

 

 

Cena 1

Cenário imitando o inferno. Um homem entra andando como se estivesse perdido, olhando para todos os lados. Ele encontra um outro homem, de pé, parado a sua frente.

 

DANTE (dirigindo-se ao homem parado): Não sei o que faço. Não sei como vim parar aqui!

VIRGÍLIO (parado e sereno): Acalme-se, Dante! Ajudarei você a percorrer o caminho que vai tirá-lo daqui.

DANTE (surpreso): Como sabe o meu nome?

VIRGÍLIO: Beatriz, tua amada que infelizmente faleceu, veio pedir-me ajuda para te guiar no caminho até a saída do inferno. Eu sou Virgílio, o poeta romano que você tanto lê.

DANTE (sorrindo): Beatriz, mesmo morta, ainda me ama e me ajuda? Então, vamos! Sigamos nosso caminho!

VIRGÍLIO: E que Deus nos ajude! Na entrada deste lugar há uma placa que diz: “Abandonai toda a esperança, vós que entrais”. Mas nós podemos ser movidos pela esperança.

(Os dois caminham até encontrarem um condenado diante de um juiz)

MINOS (dirigindo-se ao morto): Eu, Minos, juiz do inferno, determino que você vá para o sétimo círculo, onde os violentos contra o próximo são punidos com o eterno afogamento no sangue daqueles que sofreram as violências.

MORTO (desesperado): Não, Minos, por favor, não faça isto comigo! (Vem um demônio e o pega pelo braço, retirando-o de cena)

MINOS (dirigindo-se a Dante): E vocês? O que querem?

DANTE: Passar e ir embora.

(O demônio que levou o morto volta à cena)

DEMÔNIO (rindo): Daqui ninguém vai embora!

VIRGÍLIO: Ele ainda não morreu.

DEMÔNIO: Oras, então realmente vá embora!

MINOS (dirigindo-se a Dante): "Tu, que entras no asilo da dor, vê bem em quem confias e como entras aqui. É fácil de entrar, mas não te enganes".

(Minos e o demônio saem de cena. Dante e Virgílio andam um pouco mais e vão conversando)

DANTE (reflexivo): Como são os outros círculos do inferno?

VIRGÍLIO: Em cada círculo são punidos pecadores conforme o pecado que cometeram. Há círculos para os violentos, os gulosos, os gananciosos, os sedutores, entre outros. O pior círculo é o último.

DANTE (curioso): Por quê?

VIRGÍLIO: Ali são punidos os traidores. Eles são presos em um lago de gelo, onde são castigados pelo próprio príncipe dos demônios.

DANTE (assustado): Vamos depressa! Preciso encontrar a saída!

(Andando um pouco mais, os dois veem uma saída)

VIRGÍLIO: Dante, eis a saída. Logo a frente você entrará no paraíso, mas eu não poderei te acompanhar e terei de voltar ao lugar onde vivo. Foi muito bom estar com você!

DANTE (triste): Até um dia, meu amigo!

(Dante e Virgílio se abraçam e cada um sai para um lado)

 

(Troca de cenário)

 

Cena 2

Cenário imitando o paraíso. Dante caminha devagar, pensativo.

 

DANTE (aliviado): Ainda bem que saí daquele lugar! É assustador!

(Uma mulher vem ao seu encontro. Dante vê a mulher e fica feliz)

BEATRIZ (sorrindo): Dante!

DANTE (sorrindo): Beatriz!

(Os dois se abraçam apertado)

BEATRIZ: Senti saudade.

DANTE: Também. Poderei ficar com você por um tempo?

BEATRIZ: Sim. Você verá o que há no paraíso.

(Os dois começam a andar. Logo encontram uma mulher em meio a dois anjos)

DANTE (sorrindo): Maria! Regina Coeli! (pronuncia-se "regina céli", significando "Rainha do Céu")

(Dante fica parado, olhando. Após alguns instantes, Maria e os dois anjos saem de cena)

BEATRIZ (sorrindo): O paraíso tem círculos onde as pessoas boas se espalham para viverem a eternidade diante de Deus. Há círculos para os que fizeram bom uso do amor, os que foram sábios, os que defenderam o ideal de justiça, os que morreram por Cristo, entre outros.

DANTE: E todos veem a Deus?

BEATRIZ: Sim, e você poderá vê-lo também.

DANTE (sorrindo): Que grande alegria!

BEATRIZ: Mas, eu não poderei ir junto.

DANTE (triste): Por quê?

(Nesta hora, Beatriz é levada por dois anjos que entram em cena. Ela e os dois anjos saem de cena. Dante fica parado no meio do cenário, fecha os olhos e respira fundo)

DANTE (sorrindo e olhando para cima): Agora, entendo alguns mistérios! Beatriz foi se colocar entre os bem-aventurados. E eu vejo e sinto a presença de Deus. (Dante olha para o público) Como eu gostaria de compreender todos os mistérios! Mas este não é um voo para as minhas asas.

 

(Fim)

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Adaptação da peça teatral renascentista Auto da Barca do Inferno

 

Cena 1

Um rio corta o cenário, tendo a beira dele dois personagens: um anjo e um demônio, cada um ao lado de um barco à margem do rio.

Chega um fidalgo para se apresentar aos personagens.

 

FIDALGO: O que estou fazendo aqui?

DEMÔNIO (rindo alto): Oras, você morreu!

FIDALGO (surpreso): Eu? Você está enganado! Aliás, quem é você?

DEMÔNIO: Sou o demônio, o encardido, o satanás, o coisa-ruim, o que fede enxofre, o danado...

FIDALGO (se afastando, assustado): Credo! Sai pra lá, bicho feio! (o fidalgo vê o anjo e pergunta) E você, quem é? Diga o que está acontecendo!

ANJO (sereno e sorrindo): Sou um anjo e você morreu!

FIDALGO (irritado): Mas como eu morri? Eu só posso estar louco e me internaram!

ANJO: Você não está louco! Lembre-se: para morrer, basta estar vivo! Você estava vivo e morreu!

FIDALGO (pasmo): Céus! O que eu fiz pra merecer isso? Eu tinha tanta coisa pra fazer e pra viver! Bom, mas já que eu morri, então eu vou para o meu merecido descanso no céu. (e começa a andar na direção do anjo)

ANJO (barrando a passagem do fidalgo): Onde pensa que vai?

FIDALGO (rindo): Oras, para o céu! Lá é o lugar de pessoas como eu!

DEMÔNIO (rindo alto): Pessoas como você? Então venha comigo, pois o teu lugar é o inferno!

FIDALGO (irritado e olhando para o anjo): Eu vou bater naquele chifrudo! E se você não deixar eu ir para o céu, seu anjo de meia pataca, vou te mostrar com quantas penas se faz uma asa!

ANJO: É duro admitir, mas o demônio desta vez está certo. Você vai para o inferno.

FIDALGO (bravo): Quero um advogado!

(Entra mais um anjo e mais um demônio)

ANJO 2 (sereno e sorrindo): Aqui não temos serviços de advocacia, meu caro. As ordens superiores determinaram que você deve ir para o inferno.

FIDALGO: Mas o que eu fiz?

(O outro demônio puxa um rolo de papel que vai até o chão quando é esticado)

DEMÔNIO 2: Você simplesmente descumpriu todos os 10 mandamentos da Bíblia, os 5 mandamentos da Igreja, além de seguir totalmente ao contrário o que teu padre dizia nas missas.

FIDALGO (surpreso): Mas como segui ao contrário? Sempre fui modelo! Doei dinheiro aos pobres e ajudei na reforma da igreja.

ANJO 2: Sim, mas você deu dinheiro roubado e ajudou na reforma dando material de péssima qualidade. Lembra que a igreja caiu um ano depois?

(Entra um terceiro demônio, rindo alto)

DEMÔNIO 3: Acabei de pegar na caixa de correspondências: são orações em favor deste traste!

FIDALGO (bravo): Vou te mostrar quem é o traste! (E se virando ao primeiro anjo) Está vendo? Eu devo entrar no céu, pois tem pessoas rezando por mim lá na terra.

DEMÔNIO 3 (rindo): E acha que isso vale alguma coisa quando você teve a vida que escolheu ter?

ANJO 2: Você roubou dinheiro enquanto governava a vila, enganou a esposa durante muito tempo, usou o nome de Deus para fazer maldades, roubou a fortuna de seu pai e era ganancioso! Como acha que entra no céu assim? Vai pensando aí enquanto eu recebo aquele outro morto que vem aí.

 

Cena 2

Mesmo cenário. Todos os personagens juntos, com o fidalgo se recolhendo a um canto para observar o próximo morto.

Uma mulher bem vestida se aproxima.

 

MULHER (surpresa): Onde estou? O que aconteceu?

ANJO 2 (sereno): A senhora morreu!

MULHER (pasma): Mas como?

DEMÔNIO 1 (rindo): Morrendo, oras! Estava viva e morreu.

ANJO 1: A senhora está à margem do seu destino final. Ou vai para o céu comigo ou vai para o inferno com ele. (e aponta um demônio)

MULHER (sorrindo): Oras, mas é claro que vou para o céu! Ajudei muitas meninas!

DEMÔNIO 2 (rindo): Sei muito bem como ajudou estas meninas.

MULHER (irritada): Ajudei sim! Elas não tinham para onde ir!

DEMÔNIO 3: E daí a senhora deu-lhes lugares para irem: a casa do padre, a casa do juiz, a casa do padeiro e todas as casas onde homens estavam prontos para se divertirem com suas mocinhas, né?

MULHER (nervosa): Exijo um advogado!

(Entram em cena mais um anjo e mais um demônio)

ANJO 3 (sereno e sorrindo): Aqui não há advogados, minha senhora!

DEMÔNIO 4 (rindo): O último advogado que passou por aqui foi direto para os braços do diabo! E vamos logo, pois teu lugar te espera! Mas, antes, vem comigo. A punição já vai começar antes de entrar no barco.

(Este demônio pega a mulher pelo braço e ambos saem de cena)

 

Cena 3

Mesmo cenário. Estão na cena três anjos e três demônios. O fidalgo volta ao centro da cena.

 

DEMÔNIO 1 (rindo): Pensou bem em tudo o que fez, né? Lembrou de tudo? Terá toda a eternidade para refrescar a memória! Aliás, refrescar não: queimar!

FIDALGO (desesperado): Permita-me voltar para falar com minha esposa! Dá-me mais uma chance! Ela está tão triste pela minha morte, pois me amava muito!

DEMÔNIO 2 (rindo alto): Amava? Está triste? Só que não, trouxão! Ela está feliz, curtindo a vida com o amante. Assim que te sepultou, foi correndo comemorar!

DEMÔNIO 3 (pegando no braço do fidalgo): Vamos depressa! O inferno te espera!

 

Os anjos vão para seu barco, enquanto os demônios conduzem o fidalgo até o outro barco. Entram mais um anjo e um demônio.

 

ANJO 4 / DEMÔNIO 5 (falando juntos): Faça o que tiver de fazer, pois não há volta para os que vêm a este lado! Seja o que tiver de ser, pois deste lugar para frente o que vier é definitivo!

 

 

 

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