Análise da novela Os Dez Mandamentos

16/07/2015 23:24

Vários telespectadores têm acompanhado com entusiasmo o desenrolar da novela “Os Dez Mandamentos”, produzida pela TV Record. É uma produção bem feita, a caracterização procura ser o mais fiel possível à época e aos lugares (Oriente Médio do século XIII a.C.) e a história é conhecida da maioria das pessoas, pois a novela baseia-se no relato bíblico. Inclusive, nas redes sociais não faltam manifestações de fervorosos telespectadores que assistem a novela com uma Bíblia ao lado para conferir se a produção é fidedigna ao texto sagrado. Em vários comentários nas redes, vê-se pessoas que contestam ou atestam cenas da novela comparando-as ao texto bíblico (algumas pessoas chegam até a dar pequenas aulas de teologia em seus posts). No entanto, pretendo aqui opinar com o olhar de historiador, e com este olhar é que começo avaliando positivamente a novela da Record.

O grande mérito da novela é oferecer um olhar mais amplo e mais detalhista sobre o relato bíblico. O escritor do livro do Êxodo foca-se na libertação dos hebreus no Egito, e por isso não dá muitos detalhes sobre o nascimento, a infância e a juventude de Moisés. É aí que a novela “Os Dez Mandamentos” entra com uma riqueza de detalhes que nos faz enxergar melhor como teria sido o desenvolvimento de Moisés entre os egípcios e sua consciência sobre o “ser hebreu”.

A autora da novela tem sido muito feliz ao criar um cenário que nos possibilite sentir o drama dos hebreus explorados pelos egípcios. Exemplo disto pode ser dado referindo-se aos primeiros capítulos, quando o casal Anrão e Joquebed teve que esconder Moisés recém-nascido para depois colocá-lo em um cesto no rio Nilo. O relato bíblico sobre este episódio é muito vago: “Certo homem da casa de Levi foi tomar por esposa uma descendente de Levi, a qual concebeu e deu à luz um filho. Vendo que era bonito, escondeu-o por três meses. E como não pudesse mais escondê-lo, tomou um cesto de papiro, calafetou-o com betume e pez, colocou dentro a criança e a expôs nos juncos, à beira do Rio. De longe, uma irmã do menino observava o que lhe iria acontecer”. (Êxodo 2,1-4). Na novela, este trecho foi interpretado mostrando todo o drama dos hebreus em torno do decreto do faraó Seti (ordenando a morte dos meninos hebreus recém-nascidos) e todo o perigo enfrentado pelos pais de Moisés para mantê-lo vivo.

Ainda dentro deste olhar mais detalhista, é possível também perceber, através da novela, o quão conflitante foi para Moisés descobrir-se hebreu, ainda mais com toda a educação egípcia que recebeu ao longo da infância e da juventude. O texto bíblico não fala desta educação: “Naqueles dias, Moisés, já crescido, saiu para ver os seus irmãos, e viu as tarefas que pesavam sobre eles; viu também um egípcio que feria um dos seus irmãos hebreus” (Êxodo 2, 11). O trecho bíblico de Atos dos Apóstolos 7,22 fala que Moisés foi educado na sabedoria dos egípcios; no mais, nada temos sobre a educação de Moisés no palácio do faraó.

Outro aspecto que chama a atenção na novela é a fidedignidade a nomes e eventos históricos contemporâneos ao êxodo hebreu. Uma rápida pesquisa histórica nos mostra que Ramsés II realmente foi casado com Nefertari, tendo construído para ela o templo que hoje fica no Complexo de Abu Simbel. Ramsés era filho do faraó Seti I e da rainha Tuya e realmente teve uma irmã chamada Henutmire; no entanto, um fato histórico que a novela certamente não mostrará é que Ramsés foi casado também com Henutmire (era costume entre os faraós egípcios o casamento com suas irmãs). Historicamente, também é sabido que Nefertari possivelmente fosse filha de um general egípcio e tivesse origem humilde, além do fato de que seu primeiro filho com Ramsés II morreu ainda jovem (antes dos 30 anos de idade). Este último detalhe histórico é importante se pensarmos no relato bíblico das pragas (a última delas foi a morte de todos os primogênitos egípcios, inclusive o primeiro filho do faraó).

Por fim, há que se destacar também a riqueza de detalhes sobre a cultura egípcia, com seus deuses, suas superstições, suas mentalidades e até mesmo seu cotidiano. Isto tudo faz com que a novela “Os Dez Mandamentos” seja uma interessante fonte de conhecimento para quem quer, além do relato bíblico, aprender também sobre a sociedade e a cultura do antigo Egito e do povo hebreu.

 

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