Câmeras - chicote psicológico

07/10/2015 22:40

Mudam-se épocas, lugares, pessoas e fenômenos históricos, mas certos elementos dificilmente se alteram na sua essência. Um destes elementos é o caráter humano de criar controles para organizar a sociedade. Dos grupos humanos tidos como “primitivos” até os que são tidos como “avançados”, é possível ver formas de controle social que visam organizar estes grupos para que haja ordem e bom funcionamento. E dentro do mundo do trabalho, o ser humano também criou diversos mecanismos de controle na medida em que a produção se torna mais complexa e as relações de trabalho se tornam mais diversificadas e exigentes quanto a qualificação, produtividade, qualidade, etc.

Um dos principais mecanismos é controlar o ritmo dos trabalhadores e, se preciso, punir aqueles que não se adaptam ao ritmo estabelecido. Tais punições variam conforme a época e o lugar, indo desde as antigas chicotadas e outras agressões físicas até as atuais advertências verbais e demissões. Neste contexto, entram instrumentos e funções que servem para manter os trabalhadores atendendo às demandas necessárias em seu local de trabalho sem fugir às convenções e regras estabelecidas.

Se na Antiguidade e no período medieval, por exemplo, havia o chicote e outros instrumentos para punição física dos trabalhadores, após a Revolução Industrial temos as figuras do “encarregado” e do “chefe de setor”, que são “olhos e ouvidos” do empregador para manter a ordem no local de trabalho e ser os intermediários entre empregadores e empregados nas mais diversas questões. No entanto, atualmente um instrumento tem sido muito eficaz nesta tarefa, substituindo o elemento humano no controle do ritmo de trabalho e da produtividade: as câmeras.

A instalação de câmeras em ambientes de trabalho é uma das respostas da tecnologia moderna para a necessidade de segurança no ambiente de trabalho, mas também é uma atualização dos mecanismos de controle que fazem o empregador parecer “onipresente”. A simples instalação de câmeras cria, mesmo que inconscientemente e mesmo naqueles que nada fazem fora das regras, a sensação de estar sendo constantemente observado e monitorado como se ali estivesse o próprio patrão.

Não se pretende aqui propor a abolição do uso de câmeras em ambientes de trabalho, pois isto seria impossível em um mundo cada vez mais obcecado por segurança, mas o que se quer aqui é apenas levantar uma reflexão sobre as formas de controle ao longo da História e como a tecnologia serve a este propósito. Quando Orwell escreveu sobre o “Grande Irmão”, talvez o mundo jamais imaginaria que tivéssemos a tecnologia tão a serviço do controle de todos os passos dos seres humanos, em especial em seus ambientes de trabalho, onde os olhos eletrônicos substituem os olhos humanos para monitorar o trabalho e a produtividade.

As câmeras, em alguns casos, funcionam como “chicotes psicológicos”, no sentido de manter a ordem e punir desregramentos. Não é preciso mais um feitor observando o trabalho, como em sociedades antigas, ou um encarregado, como nas sociedades de países industrializados, mas basta um “olho eletrônico” que pode dar aos superiores na hierarquia um panorama do ritmo dos trabalhadores e da produtividade.

Assim, evoluem os métodos de controle social com apoio tecnológico e reafirma-se o que já faz parte do caráter humano: a necessidade de organização, de ordem e de garantia do ritmo estabelecido por quem “dá as cartas”.

 

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