Feminismo indígena: uma análise das demandas e trajetórias

11/03/2018 08:37

Introdução

Pensar o feminismo é complexo e nos faz concluir que há vários feminismos, com pautas comuns, mas também pautas específicas de cada grupo. Neste sentido, vamos abordar o feminismo indígena como um fenômeno com características que tanto o assemelha quanto o diferencia de outros movimentos feministas.

Por meio da análise bibliográfica, vamos conhecer melhor este fenômeno que vem projetando lideranças femininas entre os povos indígenas e dando voz às demandas culturais e de gênero das mulheres indígenas. O feminismo indígena se assemelha a outros movimentos feministas ao manter reivindicações ligadas às desigualdades de gênero, mas se diferencia dos demais quanto a reivindicações específicas dos povos indígenas brasileiros; assim, temos mulheres indígenas assumindo o protagonismo e lutando por demarcações de terras, respeito aos povos, dignidade e garantia dos direitos já previstos em instrumentos legais (principalmente a Constituição Federal de 1988).

No primeiro capítulo, "Raízes e crescimento do feminismo indígena", vamos abordar breve e historicamente o movimento, destacando as principais lideranças que atualmente se projetam em nome das causas indígenas no Brasil. No segundo capítulo, "O que querem as indígenas?", vamos abordar as principais dificuldades enfrentadas pelo movimento feminista indígena e o que este reivindica.

 

Raízes e crescimento do feminismo indígena

Os movimentos feministas indígenas não são exclusivos do Brasil. Pinto (2010), ao falar do espaço aberto pelas mulheres indígenas com suas lutas e das complexidades destas, aponta exemplos de países africanos e latino-americanos, enfatizando a luta pela afirmação de elementos culturais (língua, crenças, etc), ao mesmo tempo em que busca eliminar do seio de suas comunidades costumes que excluem as mulheres ou lhes causam algum tipo de violência.

No Brasil, o feminismo indígena começa a se organizar na década de 1970 (AUTOR DESCONHECIDO, 2016), com associações nas quais as mulheres discutem questões de gênero e das causas indígenas, como, por exemplo, a Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN) e Associação de Mulheres Indígenas do Distrito de Taracuá, Rio Uaupés e Tiguié (AMITRUT). Estas associações cresceram em todo o Brasil, projetando lideranças que ganharam espaços antes masculinos.

Segundo reportagem da Revista AZMina (2016), temos, na atualidade, as seguintes mulheres indígenas em destaque no cenário nacional:

1. Sônia Guajajara: um dos principais nomes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

2. Valdelice Verón: liderança Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul.

3. Hushashu Yawanawá: considerada pajé devido a seus estudos no xamanismo (prática antes tida como masculina entre os Yawanawá, que vivem no Acre).

4. Daiara Tukano: artista plástica, já teve ligações com o Ministério da Cultura e a União Nacional dos Estudantes, sempre defendendo pautas indígenas e feministas.

5. Renata Tupinambá: uma das idealizadoras da Rádio Yandê, primeira rádio online do Brasil produzida por e para indígenas.

6. Célia Xakriabá: primeira indígena a integrar a equipe da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG).

 

O que querem as indígenas?

As mulheres indígenas passam por dificuldades dentro e fora de suas comunidades, gerando uma gama de reivindicações. Santos (2012, p. 95) aponta que "a natureza das reivindicações das mulheres indígenas está relacionada principalmente à necessidade de reflexão a respeito do caráter desigual que permeia a distribuição de benefícios individuais e coletivos entre homens e mulheres nas comunidades e demais coletivos indígenas". Ainda segundo a autora, as diferenças entre o movimento feminista indígena e as demais atividades feministas residem no fato de que estamos

 

"nos referindo a culturas diferentes, com valores, práticas e representações sobre o corpo, sobre a sexualidade e sobre a condição feminina não necessariamente convergentes. [...] nas sociedades indígenas o sentido de coletividade choca-se inevitavelmente com o individualismo ocidental. O corpo feminino nas sociedades indígenas tem um papel diferenciado dentro da lógica que permeia as relações no coletivo". (2012, p. 96).

 

Fora de suas comunidades, as mulheres indígenas têm passado, além das situações conhecidas (pobreza, fome, perda de territórios, etc), pelo esquecimento nos estudos sobre os povos indígenas. Normalmente, e aqui se recorre a Santos (2012, p. 96-98), os estudos etnológicos focam mais os homens por seu papel no contato com o mundo não-indígena e pela valorização de aspectos culturais ligados aos homens (caça e guerra, por exemplo). Além disso, movimentos indígenas de mulheres têm questionado a ideia de que é necessário ter muitos filhos para não desaparecer o próprio povo, reivindicando ações que levem às comunidades indígenas informações sobre controle de natalidade e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).

Dentro das comunidades, as mulheres indígenas reivindicam cada vez mais ações de combate ao alcoolismo, uma das raízes da violência contra as mulheres nas comunidades. Além disso, lideranças femininas e membros de associações de mulheres indígenas enfrentam disputas em suas próprias comunidades, envolvendo a captação de recursos para manter as associações, a comunicação com sedes de movimentos indígenas (que normalmente operam em cidades, o que dificulta para mulheres de comunidades distantes), a conquista de espaço político nos movimentos indígenas (ainda liderados majoritariamente por homens), entre outras (SANTOS, 2012, p. 98-99).

Tendo aqui expostas algumas dificuldades das mulheres indígenas, podemos ter um panorama de algumas de suas reivindicações:

- Mais dignidade dentro de suas próprias comunidades: erradicação da violência doméstica; acesso das mulheres a mais e melhores informações sobre sua saúde, sobre métodos contraceptivos e controle da natalidade e sobre prevenção de DSTs; diminuição e eliminação das desigualdades de gênero dentro das comunidades, propiciando maior espaço às mulheres quanto a participação nas decisões de caráter político e despertando a consciência de que elas também podem transformar as realidades da comunidade e do mundo; entre outras demandas.

- Mais dignidade fora de suas comunidades: reconhecimento de seu papel e de sua importância tanto da parte dos órgãos governamentais ou não-governamentais de apoio aos indígenas quanto da parte de estudiosos das histórias e culturas indígenas; ações que garantam terra aos povos indígenas das quais estas mulheres fazem parte; mais acesso a serviços e atendimentos básicos de qualidade, como educação e saúde; maior acesso aos espaços culturais, sociais e políticos, dando voz às mulheres indígenas quanto ao que lhes atingem da parte dos poderes públicos.

 

Considerações finais

O feminismo indígena tem especificidades quanto ao que reivindica e à origem cultural das mulheres que o integram. Bittencourt (s/d), neste sentido, aponta que "no feminismo de cosmovisão indígena, não cabe o binarismo do feminismo hegemônico: um mundo melhor é construído entre tod@s" (sic), isto é, o feminismo indígena foge do padrão feminista convencional ao não distinguir entre homem e mulher, no sentido de pensar e propor ações de forma coletiva e que responsabilizem a coletividade.

Sendo assim, o feminismo indígena é um fenômeno a ser estudado em particular e entendido em suas peculiaridades, ao mesmo tempo em que deve também receber apoio enquanto expressão das vozes de mulheres que querem melhores condições de vida para si e para seus povos.

 

Referências bibliográficas

AUTOR DESCONHECIDO. Conheça um pouco sobre feminismo indígena no Brasil e sua importância. Disponível em: Publicado em: 16 dez.2016. Acesso em: 08 jan.2018.

 

BITTENCOURT, Juliana. Nunca más un México sin nosotras. Disponível em: Acesso em: 07 jan.2018.

 

PINTO, Alejandra Aguilar. Reinventando o feminismo: as mulheres indígenas e suas demandas de gênero. IX Seminário Internacional Fazendo Gênero, 23 a 26 ago.2010. Disponível em: Acesso em: 07 jan.2018.

 

REVISTA AZMINA. Seis mulheres indígenas que vale a pena seguir nas redes. Disponível em: Publicado em: 22 mar.2016. Acesso em: 07 jan.2018.

 

SANTOS, Fabiana Vinente dos. Mulheres indígenas, movimento social e feminismo na Amazônia: empreendendo aproximações e distanciamentos necessários. Revista EDUCAmazônia, Humaitá, ano 5, vol. VIII, 2012-1, jan-jun, p. 94-104. Disponível em: Acesso em: 08 jan.2018.

 

 

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