Funk - espelho da sociedade brasileira

10/11/2015 02:50

Por onde quer que se vá hoje no Brasil, é certo que se vai escutar uma música em ritmo de funk. Mesmo ainda fortemente associado ao Rio de Janeiro, o funk ganhou um imenso espaço entre os brasileiros e recebe atenção tanto de quem gosta quanto de quem não gosta das músicas que falam de favela, de dinheiro, de mulheres ou de polícia. Na verdade, o funk tem este espaço na sociedade brasileira porque criou identificação: há muitos que gostam porque se identificaram com o funk, assim como também há muitos que não gostam justamente porque também se identificaram com o funk. Este ritmo, ao longo dos anos, foi se tornando um espelho de boa parte da sociedade brasileira. E quando se olha no espelho, tem-se a tendência de gostar ou não do que viu, mas este gostar ou desgostar não mudam a imagem refletida no espelho, pois o espelho reflete aquilo que quem vê realmente é.

Particularmente, não gosto de funk, por ter crescido habituado a outros ritmos musicais (principalmente o sertanejo de raiz), e há quem não goste por também ter ouvido outros ritmos ou por ter desenvolvido um senso crítico que não é receptivo à “qualidade” das letras no funk. Mas todos nós, mesmo não gostando do funk e observando um pouco mais da sociedade atual e suas estruturas de mentalidades, haveremos de convir que o funk expressa de maneira escrachada o que muitos brasileiros desejam ou fazem no seu íntimo. Afinal, em um mundo capitalista, competitivo, imediatista e que valoriza o dinheiro, o prazer e o hoje à máxima potência, quem é que não se sentiria tentado a desejar um monte de “plaquê de 100”, podendo andar em uma Hornet e sendo mirado de longe por causa das joias no corpo[1]?

Os valores presentes hoje em boa parte da sociedade giram em torno do dinheiro, da satisfação, da atitude de se negar quaisquer frustrações, do prazer imediato e da super autovalorização. E para vermos estes valores sociais, basta escutarmos a maioria da produção musical brasileira atual (não só o funk). O que faz sucesso atualmente? A ostentação, a vitória[2], a “pegação”, a vaidade[3], entre outras características que o ser humano gosta de destacar em si mesmo.

No caso do funk, em particular, escracha-se o gosto pelo sexo, a ostentação de bens materiais que atraem as mulheres, a libertação da mulher[4] ou a sua subordinação[5], o gosto pelas baladas e pela “eterna” diversão, enfim, tudo o que pessoas da sociedade brasileira muitas vezes não admitem que gostam e que valorizam. E quando as pessoas não gostam de algo, ou criticam ou partem ao ataque; e é o que se faz com o funk: ou criticam-no com base em argumentos pessoais ou relativos às próprias músicas ou então atacam-no porque se identificaram com aquilo que ele mostra transparentemente.

O funk é um fenômeno musical que não se pode abafar porque é intensamente visível e faz sucesso por uma gama de motivos que não discutiremos agora. E por ter estas características, o funk chama a atenção da sociedade brasileira e vem sendo cada vez mais objeto de reflexão e de estudos que tentam compreender sua fácil acessibilidade a todas as camadas sociais. Cabe a nós olhar este fenômeno com mais criticidade, percebendo nele suas nuances e suas possíveis contribuições ao modo de se pensar a sociedade brasileira.



[1] As referências ao “plaquê de 100”, ao Hornet e às joias no corpo foram tiradas da música “Plaquê de 100”, de MC Guimê.

[2] Antigamente conseguiam fazer sucesso canções de “derrotados” e “frustrados”, tendo como grande exemplo as músicas onde o “eu lírico” é corno, abandonado, embriagado, “doente de amor”. No entanto, hoje em dia fazem sucesso as músicas onde o eu lírico é “pegador”, apaixonado correspondido, etc.

[3] Um grande exemplo na música brasileira recente: “Esse cara sou eu” (Roberto Carlos).

[4] “Eu vou pro baile procurar o meu negão / vou subir no palco ao som do tamborzão / sou cachorrona mesmo / e late que eu vou passar / agora eu sou piranha e ninguém vai me segurar” (trecho da música “Agora eu sou piranha”, da Gaiola das Popozudas).

[5] “E aí, piranha / quem é que te come? / Vamo no cartório / passar seu cu pro meu nome” (trecho da música “Quem é que te come”, de MC Maromba).

 

 

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