Pensando um pouco sobre escolas particulares e públicas

21/07/2017 09:49

Este texto é mais uma reflexão de um professor do que uma fria exposição de dados estatísticos com análises quantitativas e qualitativas. Claro que se recorre a dados para embasar ideias, mas a intenção é integrá-los a algo maior: refletir sobre a qualidade da educação atual em nosso país pensando o prisma da suposta superioridade qualitativa das escolas privadas em relação às públicas. Como já dito no início, é uma reflexão de um professor que transita entre mundos escolares diversos e vai observando tendências, sistemas, práticas e mentalidades dentro destes mundos.

Oliveira (2016) aponta uma crise geral na educação brasileira, afetando tanto as escolas públicas como as privadas, de modo que "os alunos das melhores escolas particulares brasileiras não atingem o nível dos alunos medianos de redes públicas em países desenvolvidos". Esta crise no sistema educacional brasileiro pode ser melhor analisada e entendida na obra O professor refém, de Tânia Zagury, onde ela expõe mitos e fatos sobre o atual cenário educacional brasileiro, baseando-se em pesquisa científica e oferecendo um panorama realista a respeito do que ocorre em nosso país quando se trata de educação escolar. Apesar desta crise, porém, é possível ver alguns pontos em que, atualmente, as escolas privadas têm se sobressaído às públicas.

O primeiro ponto refere-se a forma como as escolas privadas, em relação às escolas públicas, podem lidar melhor com seus alunos. Resumindo: a escola pública tem maior heterogeneidade que a privada, ou seja, tem um público muito mais diverso em quesitos econômicos, sociais, religiosos, culturais, entre outros, o que dá à escola pública maior complexidade na mediação de conflitos, na diversificação metodológica da prática docente, na busca por solução de problemas internos, etc., enquanto a escola privada, sendo menos complexa por ser menos heterogênea, pode padronizar melhor as resoluções de problemas e conflitos, estreitar o leque de possibilidades metodológicas no ensino, entre outros comportamentos.

Um segundo ponto toca no quesito seletividade. A escola pública, justamente por ser pública, não pode recusar alunos; Grilo e Kuhlmann (sem data) analisam a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para destacar que toda criança e adolescente deve permanecer na escola e esta não pode impedir o acesso à educação escolar. Já as escolas privadas, por exemplo, não são obrigadas a renovar a matrícula de alunos inadimplentes (Ribas, sem data), além da seletividade que ocorre pelo simples fato da escola não receber alunos cujos pais não concordam com a filosofia adotada pela mesma (neste caso, a escola não seleciona escolhendo quem entra e quem não, mas sua filosofia acaba sendo um fator selecionador de alunos na medida em que é aceita ou não pelas famílias destes potenciais alunos[1]).

O terceiro ponto que podemos analisar diz respeito às metodologias e práticas dentro dos ambientes escolares. Instituições públicas e privadas são cada vez mais envolvidas por discursos pedagógicos que enfatizam a afetividade nas relações entre professor e aluno, a valorização de uma educação que construa cidadãos plenos (ou seja, não só futuros trabalhadores, mas também agentes de transformação social) e a consideração de fatores sociais, culturais e emocionais como pontos importantes ao se avaliar o desempenho de um aluno. Estes discursos são cada vez mais assumidos por professores e gestores que contam com uma sempre mais volumosa base intelectual e literária (podemos citar, por exemplo, Paulo Freire e Mário Sérgio Cortella, expoentes brasileiros em assuntos ligados a educação). No entanto, podemos notar uma diferença no trato das escolas privadas e públicas em relação a tais discursos que cada vez mais se avolumam nos cursos de formação de professores e nos ambientes escolares. Os sistemas públicos, por exemplo, na ânsia de enraizar práticas voltadas à cidadania e à formação para a transformação social, acabam por fazer o que Pierluigi Piazzi (2009) aponta como evitar o conteudismo retirando os conteúdos, ou seja, não estariam dando o devido valor à formação acadêmica ao desfocar o ensino de conteúdos que, mesmo não tendo aplicação prática no cotidiano, ainda assim são importantes como conhecimentos que instrumentalizam o aluno para ingressar no ensino superior e no mercado de trabalho. Enquanto isso, as instituições privadas enfatizam mais a formação acadêmico-intelectual, podendo ser isto notado nos conteúdos das apostilas das redes de ensino, na frequência com que as escolas privadas fazem simulados (especialmente os alunos do Ensino Médio), entre outras práticas.

Os três pontos apresentados acima são realidades que este autor observa nos anos de prática docente, leituras e estudos. Junto a estas realidades, vêm alguns olhares sobre necessidades das escolas públicas e sugestões para melhorias (onde estas sugestões forem cultural e legalmente possíveis).

Sobre o primeiro ponto acima exposto, a maior heterogeneidade das escolas públicas não constitui um defeito destas, embora percebamos que as escolas privadas conseguem lidar melhor com seu público dada a menor complexidade deste (ou seja, menos diferenças e menores distâncias sociais, econômicas, culturais, etc). No caso da maior diversidade entre os alunos das escolas públicas, estas podem diminuir seus "fardos" das mediações de conflitos e resoluções de outras situações-problema na medida em que fazem com que as famílias dos alunos se aproximem sempre mais da escola e se sintam também responsabilizadas pela educação de crianças e adolescentes. Apesar desta presença maciça e próxima das famílias ser considerada uma utopia por grande parte dos profissionais da educação, as escolas públicas podem, quando necessário, lançar mão de meios legais[2] para garantir a presença familiar e evitar que a escola se veja obrigada a assumir atribuições que são dos pais ou responsáveis.

Em relação ao segundo ponto acima exposto, não se quer aqui, de forma alguma, insinuar que as escolas públicas seriam melhores se selecionassem alunos, mas trazer à luz esta realidade que as diferem das escolas privadas. Mesmo não podendo fazer nenhum tipo de seleção de alunos, as escolas públicas podem elevar-se em qualidade se seguirem o caminho que será sugerido para o terceiro ponto.

Referente ao último ponto mostrado, também não se quer aqui insinuar que as escolas públicas deixem de lado reflexões e práticas que incluam a afetividade, a educação para a cidadania e a valorização de múltiplos fatores na avaliação dos alunos; mas que, mantendo tais características, as práticas escolares foquem com mais veemência os conteúdos que realmente darão base acadêmica e intelectual aos alunos! Se estes não manifestam interesse, que lhes sejam cada vez mais mostradas as necessidades de formação acadêmico-intelectual em um mundo que urge por pessoas qualificadas! Se ainda assim os alunos não se comprometerem com os estudos, que as escolas busquem sem cessar a maior participação das famílias (já foi dito aqui que, se necessário, se usem mais forçosa e repetidamente os meios legais para tal). Da parte dos professores, obviamente espera-se excelência na qualificação profissional. Sabemos que, devido a vários fatores, a formação básica e continuada dos professores é deficiente e não podemos culpá-los por aquilo que deveria ser oferecido por instituições de ensino e secretarias de educação, mas também é preciso fomentar ainda mais nos professores as possibilidades de busca por mais conhecimentos (para isto temos, por exemplo, a internet), considerando, claro, fatores como tempo disponível para estudos, recursos financeiros para tal (quando não há cursos gratuitos), entre outros.

Finalizando esta breve reflexão sobre a situação de escolas privadas e públicas (reflexão aberta a debates e a variados ângulos e possibilidades de pensamento), há que se enfatizar que a qualidade das escolas públicas brasileiras, no geral, apresentará melhorias quando as famílias tiverem mais abertamente mostradas as suas responsabilidades como formadoras dos jovens (retirando das escolas "fardos" que não são seus) e quando os sistemas públicos não tiverem apenas no papel o foco na formação acadêmica e intelectual dos alunos (sem abandonar, claro, questões afetivas, cidadãs e cotidianas que contextualizam o processo de ensino-aprendizagem). Estas duas questões, mesmo sendo largamente refletidas e discutidas há décadas, ainda são fundamentais para se pensar uma educação brasileira de qualidade.

 

FONTES / REFERÊNCIAS:

GRILO, Valéria Teixeira de Meiroz; KUHLMANN, Sylvio Roberto Degasperi. O direito de permanência na escola. Disponível em: Acesso em: 21 jul.2017.

 

OLIVEIRA, João Batista. As escolas privadas são melhores que as públicas? Disponível em: Acesso em: 21 jul.2017. Publicado em: 20 jan.2016.

 

PIAZZI, Pierluigi. Ensinando inteligência. São Paulo: Aleph, 2009. 1ª edição.

 

RIBAS, José Maria. Inadimplência - Quais os direitos do aluno? Disponível em: Acesso em: 21 jul.2017.

 

ZAGURY, Tânia. O professor refém - Para pais e professores entenderem por que fracassa a educação no Brasil. São Paulo: Record, 2006. 1ª edição.

 



[1] Apenas a título de exemplos, podemos citar casos de pais evangélicos que não matriculariam seus filhos em escolas católicas ou pais que preferem uma educação tradicional e que, portanto, não matriculariam seus filhos em escolas de práticas construtivistas.

[2] O Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo, se profundamente estudado e aliado a parceria entre escola, promotoria pública e Conselho Tutelar, é um instrumento que compromete os pais ou responsáveis a participarem efetivamente da vida escolar dos jovens.

 

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