Reflexões de um professor de História em férias - parte 1

29/12/2018 23:31

Outro dia, pensando nas condições das escolas brasileiras, me lembrei de uma frase que eu ouvia de uma amiga professora de História: "O que eu faço pro rico, faço pro pobre". Ela, assim como eu, tem a realidade de trabalhar, paralelamente, em escola pública e escola particular. No meu caso, leciono em uma escola da rede pública estadual de Minas Gerais e em uma escola particular confessional (ligada a uma igreja cristã). E, pensando na frase desta amiga professora, comecei a esmiuçá-la melhor para perceber, na minha prática docente, se realmente atuo de forma igualitária, independente da classe social e condição econômica dos alunos. É uma reflexão que quero propor também aos amigos e colegas professores (os que realmente se comprometem com sua atuação nas escolas).

Um primeiro ponto tem a ver com o que depende de mim na atuação docente. Parece óbvio - e, para mim, é óbvio - que a dedicação, a qualidade das aulas e das atividades, o dinamismo das abordagens, o incentivo a discussões e formação de pensamento crítico, tudo isto deve ser presente na prática do professor de História (e de quaisquer outros professores) sem distinções sociais e econômicas. As características elencadas na frase anterior deveriam fazer parte da prática docente tanto do professor que leciona em bairros nobres quanto daquele que leciona nas favelas ou em quaisquer outros lugares em que se perceba disparidades sociais e econômicas entre os alunos e entre as escolas.

No entanto, há um segundo ponto que também deve ser considerado: tem a ver com o que não depende exclusivamente de mim na atuação docente. E o que não depende exclusivamente de mim engloba uma série de fatores: não depende de mim, por exemplo, a educação que o aluno leva de casa para a escola (isto depende da família); não depende de mim a disponibilidade de materiais que favoreçam a minha prática docente (isto depende de verbas governamentais, no caso das redes públicas, ou de recursos aplicados pelas redes de ensino privadas). Ficando nestes exemplos, duas considerações merecem nossa atenção:

1. Obviamente, a educação dada em casa não depende de níveis sociais e econômicos para ser boa ou ruim. Isto pode ser visto, por exemplo, em casos de indisciplinas que ocorrem tanto nas escolas públicas quanto nas particulares. Mas, esta educação interfere no trabalho docente quando afeta a qualidade de uma aula ou atividade (por exemplo, quando o professor precisa parar aulas ou atividades para mediar situações indisciplinares).

2. O que é atribuição das redes de ensino (sejam particulares ou públicas) inclui, entre outras, a disponibilização de recursos para formação continuada dos professores e acesso a materiais que sejam utilizados nas programações feitas pelo professor. E aqui, nos meus anos de atuação docente e nos contatos e trocas de experiências com outros professores, vê-se uma discrepância muito grande entre boa parte das redes privadas e boa parte das redes públicas. Normalmente (mas não sempre), o professor da rede privada tem condições de oferecer aos alunos aulas e atividades com acesso a recursos tecnológicos, lúdicos (dpeendendo da faixa etária) e didáticos que a maioria das escolas públicas não têm condições de oferecer a professores e alunos. Isto dificulta demais o trabalho do professor que realmente se compromete com a qualidade da educação escolar, visto que, como já foi dito, é um fator que não depende do professor (nem mesmo daquele herói que consegue disponibilizar materiais melhores aos alunos às custas de parte do próprio salário).

Aprofundando, portanto, a reflexão a partir da frase "O que faço pro rico, faço pro pobre", vemos que, a despeito da boa vontade do professor e do compromisso que a maioria dos professores têm com a qualidade da educação escolar, ainda há um longo caminho para que, neste país, os alunos tenham oportunidades que não sejam tão distantes por causas socioeconômicas. A professora autora da frase está correta ao dizer isto, pois, em sua prática, se compromete com a educação e dá o melhor de si a todos os alunos, mas é também sonho e luta (não só dela, mas de todos os professores que prezam por educação de qualidade, inclusive eu) que um dia tenhamos um sistema educacional de excelência tanto para o rico quanto para o pobre.

 

 

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