Utopias - parte 4 - Quid est veritas?

03/04/2016 01:47

O título desta parte da série Utopias remete à pergunta feita por Pôncio Pilatos durante o julgamento de Jesus de Nazaré. Teologicamente, o cristianismo afirma que a verdade estava em pessoa diante de Pilatos, sendo julgada por ele. No entanto, o uso da "questão ponciana" como título deste texto deve-se a uma necessidade histórica e atual, desvinculada do aspecto teológico e religioso: a necessidade de se questionar as "verdades" que tentam se impor nos discursos, debates e práticas políticas do nosso país na atualidade. Muito mais do que questionar "QUAL é a verdade?", é importante questionar "O QUE é a verdade?". A reflexão em torno desta questão nos ajuda a entender o desenrolar das ações que envolvem principalmente as mais altas esferas da política brasileira.

A verdade pode ser definida como aquilo que se manifesta a nossos olhos (ideia ligada ao termo grego aletheia); ou ainda, pode ser entendida como o caráter daquilo que se expressa como real, ou seja, está ligada ao relato dos fatos ocorridos (ideia ligada ao termo latino veritas); por fim, a verdade também pode ser definida como a esperança ou crença em coisas que certamente virão (ideia ligada ao termo hebraico emunah). Em cima destas definições, podemos perceber o atual cenário brasileiro como uma guerra entre "verdades", tanto no campo dos fatos como no das linguagens e das esperanças. No entanto, percebe-se também uma disseminação de fatos, linguagens e esperanças que apenas têm aparência de "verdade".

Primeiro: os fatos. Em uma era de muita informação, é contraditório ver uma multidão de pessoas mal-informadas ou que não se dispõem a se informar com qualidade, transparência e comprometimento. Pelo contrário, uma enxurrada de informações duvidosas e mentirosas inunda os meios de comunicação (principalmente a internet) e leva consigo multidões de pessoas que não buscam saber se os fatos são realmente do jeito que os meios de comunicação colocam como tendo ocorrido. A todo momento, grupos políticos, partidários e ideológicos (ou pessoas que se identificam com tais grupos) bombardeiam seus oponentes com fatos cuja autenticidade nem sempre é comprovada. Vemos isto, por exemplo, quando simpatizantes do atual governo atribuem a Lula a criação de 18 universidades federais e a Fernando Henrique Cardoso nenhuma universidade federal (o que não é verdade, se pesquisarmos a origem de cada universidade cuja criação é atribuída às gestões lulistas) ou ainda quando simpatizantes de grupos, partidos ou ideologias contrários ao atual governo procuram expor apenas os "maus feitos" governistas e desconsideram ou ignoram as evidências corruptas de quem não tem ligação com o partido da situação.

Segundo: as linguagens. Percebe-se a distorção ou a manipulação das informações pela forma como elas são relatadas e pelo linguajar utilizado nas discussões de cunho político. Grupos tentam impor suas verdades e aniquilar os oponentes com expressões que vão desde o "Vá estudar História!" até os termos e expressões depreciativos como "coxinha", "petralha", "tucanalha", "pão com mortadela", etc. Além disso, com a facilidade de acesso que se tem às redes sociais, fica muito mais fácil distorcer e manipular informações utilizando diversos recursos de linguagem para que pareçam "verdades".

Terceiro: as esperanças. As redes sociais têm sido altamente aproveitadas por seus usuários que manifestam esperanças em um país melhor. Até aí, tudo bem, não fossem algumas esperanças e crenças que são alimentadas às custas da realidade, como, por exemplo, aqueles que esperam ansiosamente pela deposição da atual presidente sem nem mesmo ter havido um completo, justo, apartidário e imparcial processo de investigações em torno daquilo que pensam ser "crimes de responsabilidade"; ou ainda, há aqueles que esperam e acreditam que o país será "moralizado" apenas com a saída da presidente, sem levar em conta todo o "iceberg" de realidades, mentalidades, culturas e práticas que devem ser transformadas neste país para que haja maior confiabilidade na classe que nos representa no poder.

Percebam, caros leitores, que a conjuntura atual é de luta entre "verdades" que nem sempre são "verdadeiras" e que muitas vezes não são acompanhadas por uma honesta busca por veracidade. As multidões (no mundo real e no virtual) simplesmente espalham fatos, linguagens e esperanças no calor das emoções, das discussões e (não poucas vezes) até das desonestidades intelectuais, fazendo um desserviço ao debate político limpo, justo e construtivo. E vendo esta realidade, somos convidados a novamente nos questionar: "O QUE é a verdade?"

No próximo texto da série Utopias, vamos trocar ideias sobre a urgente necessidade de se "separar o joio do trigo" em meio a tantas discussões, acusações e conflitos. Mesmo que seja uma tarefa quase impossível, precisamos analisar os fatos e as ideias desconstruindo-os e assim ter alguns pontos em mente para podermos discernir o que estamos apoiando e que rumos queremos para o nosso país.

 

DICA DE LEITURA:

https://www.armazem.literario.nom.br/autoresarmazemliterario/eles/martinhocarloshost/filosofia/22_modulo22.htm

 

 

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