Utopias - parte 5 - Separando o joio do trigo

17/07/2016 23:59

Com este texto encerra-se a série Utopias. O texto anterior da série teve um título com referência bíblica. Para este texto, também recorro ao relato evangélico para ilustrar algo muito necessário atualmente: aprender a separar, em meio a tantas opções, aquilo que é danoso daquilo que é proveitoso. E a história brasileira, especialmente o momento atual, apresenta tantas opções de escolha (política, partidária, ideológica, etc) que fica difícil separar o que realmente pode ser melhor para os rumos do país e o que traz muitos danos a estes rumos. Neste texto, vamos refletir um pouco sobre a tão necessária separação do joio e do trigo para vislumbrarmos melhor os cenários que se apresentam a nós dentro dos processos históricos que vamos passando atualmente (tanto na política quanto em outras áreas).

O maior joio semeado entre os brasileiros atende pelo nome de reducionismo (e isto origina vários outros joios): muitas discussões e muitos discursos são reduzidos a formas simplistas de pensar que perdem a profundidade da análise e da reflexão. Por exemplo: os que se dizem "defensores da democracia" posicionando-se contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff são tratados como petistas e comunistas em falas que partem de vários dos que são pró-impeachment, da mesma forma que os defensores do impeachment acabam sendo reduzidos a burgueses e direita reacionária em falas que partem de vários dos que são contrários ao impeachment. O reducionismo é visto em todos os lugares onde, por exemplo, aquele que pensa diferente da maioria é reduzido ao rótulo de subversivo ou chato ou do contra, sendo nocivo por impedir a prática de bons debates, boas reflexões e bons discursos. Reduzir as ideias para simplificá-las ao extremo, tirar a profundidade das análises e rotular grupos e ideias são práticas comuns que mostram graves deficiências coletivas (os outros joios): falta de leitura, desinteresse pelo estudo ou pela simples busca da veracidade das informações, tendência a reproduzir o senso comum, argumentações que recorrem exagerada, acrítica e indistintamente a "autoridades"[1] (professor, líder religioso, político, etc).

E a situação fica ainda mais agravada com a internet e seu poder de dar voz a todos quantos queiram opinar. São muito comuns, especialmente nas redes sociais, os reducionismos que servem mais para incitar ódios e demonstrar ignorância do que para promover debates sérios e embasados. A internet tem sido instrumento para que muito joio seja plantado, gerando intolerância, ignorância, ódio, discussões competitivas, entre outros danos que em nada contribuem para se pensar o momento político brasileiro atual.

Fazendo jus ao título desta série, é preciso ter um pouco de utopia para se pensar como evitar o reducionismo: acreditar que o estudo sério de fontes confiáveis possa mudar a maneira das pessoas enxergarem os debates (não como competição para ver quem ganha no grito, mas como construção de ideias); acreditar que é possível a uma pessoa "sair da casinha" e ler coisas que são contrárias a suas posições e convicções, não necessariamente para que esta pessoa deixe de lado suas convicções, mas para que compreenda que aquilo que ela pensa não é uma ideia superior ou absoluta; acreditar que é possível discutir política ou quaisquer outros assuntos sem recorrer a ataques pessoais, chavões e outros recursos linguísticos que só trazem desserviços à formação de debates sérios que visem refletir melhor sobre o que vivemos hoje.

A leitura de fontes variadas, o olhar crítico sobre estas fontes (mesmo aquelas com as quais o leitor a princípio concorda) e o exercício do debate realmente centrado em ideias e não em ataques são os primeiros passos para se separar o joio do trigo neste emaranhado de situações que vemos ao nosso redor e que nos afetam de alguma forma.

Como já foi dito no início deste texto, este é o último da série Utopias. A proposta é, através destes textos, levar o leitor a refletir e a expandir suas possibilidades de enxergar a situação do Brasil e da política em nosso país. Espera-se que esta série contribua, ao menos minimamente, para despertar em cada leitor um desejo de saber mais, pensar mais e melhor, para assim contribuir mais e melhor nas formas de se debater e agir sobre a política brasileira atual.

 



[1] Neste caso, há situações em que é interessante recorrer a "autoridades" para se embasar melhor uma argumentação; no entanto, o problema ocorre quando a recorrência a "autoridades" se torna o único meio de embasamento argumentativo, dando brechas para o "autoritarismo discursivo", ou seja, a imposição de opiniões e argumentos em detrimento dos demais só porque alguém falou que era "verdade".

 

 

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