VI Encontro de Pesquisa em História - parte 1

05/09/2017 10:32

Segue abaixo a primeira parte das minhas anotações feitas no VI Encontro de Pesquisa em História (Belo Horizonte, maio/2017).

 

 

VI Encontro de Pesquisa em História - Universidade Federal de Minas Gerais

Belo Horizonte - 08 a 12 de maio de 2017

 

08 de maio

Conferência de abertura: Prof. Dr. Durval Muniz Albuquerque Júnior

"A poética do arquivo: as múltiplas camadas semiológicas e temporais implicadas na prática da pesquisa histórica"

 

- O professor leu um poema chamado "Arquivo", destacando a beleza de "perder-se no arquivo como um homem se perde na mulher".

- Arquivo vem do grego arché (começo, comando), dando a ideia de que abre as portas (é o começo) para um mundo de conhecimentos.

- "Os arquivos começam a falar dos tempos antes mesmo que cruzemos seus umbrais".

- Houve um tempo em que, de tão concentrado nos arquivos documentais, o historiador tornou-se insensível aos objetos que falam da História (colocando a tarefa de manejo e análise dos objetos para os arqueólogos e museólogos).

- Tanto no cristianismo quanto no positivismo acadêmico e na ciência atual, o pesquisador se emociona na pesquisa no arquivo, mas é "seco" na criação do texto de análise do documento. Ainda nas três realidades mencionadas no início da frase anterior, não há lugar para o corpo (o do pesquisador e o do documento), as emoções, os prazeres, etc, havendo espaço apenas para o trabalho, os percalços da pesquisa, entre outros. Isto é visto na forma como se aborda a metodologia de pesquisa usada no texto (seja um TCC, uma tese, etc), com o pesquisador insensível aos destinos e descaminhos do documento.

- A pesquisa em História é um corpo a corpo com as fontes.

- Até mesmo na História oral, os historiadores escondem as emoções e contextos do contato com a "fonte", intelectualizando e racionalizando os relatos.

- Muitas vezes a análise do objeto se sobrepõe ao próprio objeto ("danação do objeto"), deixando de lado a descrição da materialidade (e as experiências sensoriais) para que até mesmo não se seja taxado como "positivista".

- Os diferentes suportes e suas marcas temporais afetam o historiador. Por exemplo: uma coisa é uma carta contida em um livro coletânea; outra coisa é a carta original, onde vemos o tipo de papel e tinta, a caligrafia de quem escreveu, etc. Estas características do original (o encontro entre poeira e poesia) se perdem quando deixam de ser narradas em nome de uma retórica linguageira e cientificista da narrativa histórica e historiográfica.

- A escrita historiográfica foi se afastando, no século XIX, da filosofia, da arte e do literário. No arquivo, não vemos arte nem poética, mas somente técnica, tecnologia e cientificismo, ficando-se insensível aos signos literários e outros signos presentes no documento histórico, que enriqueceriam a pesquisa.

- Muitos historiadores acreditam que o conceito é externo ao documento, como se o historiador não pudesse criar conceitos e estes não fossem parte do contexto do documento (a vida cotidiana).

- O conceito faz parte da vida humana e a conduz, dá-lhe consistência. Porém, o historiador, muitas vezes, busca nos arquivos apenas os fatos, datas, contextos, etc, mas esquece os conceitos que ajudaram a construir seu objeto de pesquisa no momento mesmo em que ocorreu e/ou foi escrito / produzido. Quando esquece, o historiador comete anacronismos e erros quanto a referenciação e escrita da História analisada.

- "O documento é a espacialização dos signos".

 

09 de maio

Mesa temática: "Revoluções no século XX, um debate contemporâneo"

 

1ª explanação: Adriane Vidal Costa - "Que es el MIR? Revolução e ação política nas origens do Movimiento de Izquierda Revolucionária chileno"

 

- Uma das principais fontes para entender o Movimento de Esquerda Revolucionária no Chile (daqui em diante, usarei MIR) é a revista "Estratégia", que faz uma discussão teórica do movimento e dá seus fundamentos.

- O MIR surge da necessidade de se articular as esquerdas latino-americanas.

- Em escala continental, o MIR surge na década de 1960 com teorizações políticas sobre a luta armada, um debate entre a luta armada e a via pacífica, às vezes evocando figuras como Che Guevara (e a ideia do "foquismo", ou seja, criação de focos de guerrilha) e Mao Tse Tung (e a ideia de utilizar a via cultural na politização de esquerda).

- O MIR se inspirou na luta de libertação nacional ocorrida na Argélia na mesma década.

- A sublevação armada não é invenção cubana, como se pode ver nos casos de El Salvador (década de 1930) e Guatemala (década de 1950).

- O MIR pensa na violência revolucionária como reação à violência colonizadora (esta sendo fruto do domínio europeu e, posteriormente, do controle pelas elites regionais latino-americanas).

- O movimento valoriza as movimentações feitas por estudantes, camponeses e indígenas.

- Já em escala nacional (no caso, o Chile), o MIR reage às ofensivas do governo contra setores populares (ocorridas desde a década de 1950).

- Na década de 1950, surgem movimentos no Chile em resposta às ofensivas governamentais: uma Central Única dos Trabalhadores (CUT) é criada no Chile em 1953, para a resistência das esquerdas; ocorre a criação de um Comitê de Solidariedade a Revolução Cubana, reunindo trotskistas, castristas, cristãos revolucionários e maoístas; e é criada uma Vanguarda Revolucionária Marxista.

- A confluência dos grupos acima mencionados dá origem ao MIR.

 

2ª explanação: Mariana Villaça - "Impactos da Revolução Cubana no Uruguai"

 

- Em 1961, surge o Movimento Revolucionário Oriental (MRO), que defendia uma frente ampla de esquerda e apoiou a 2ª Declaração de Havana (1962). Além do MRO, fortalece-se no Uruguai o MIR, apoiando o guevarismo e o maoísmo.

- Ian Lindquist, documentarista sueco, publica uma produção, em 1972, que dá voz a guevaristas uruguaios discutindo as estratégias de guerrilha (inspirados em Guevara e no movimento da Argélia).

- Junto a estes movimentos, também se pode mencionar o semanário "Marcha" (1939-1974), que defendia o engajamento político e o latinoamericanismo, ligando-se com vários movimentos sociais e políticos e divulgando-os, criando diversos eventos culturais no Uruguai (privilegiados especialmente pela juventude uruguaia).

- A ideia do "Marcha" e dos movimentos uruguaios era criar uma Frente Ampla de Esquerda contra a possibilidade de um golpe militar no Uruguai e o autoritarismo, em um momento no qual o Uruguai era grande consumidor cultural, tinha educação básica, pública, laica e de qualidade, além de desfrutar de crescimento econômico.

- O "Marcha" buscava o consumidor militante e editoriais de esquerda que defendiam a democracia (apesar de também dar voz a quem defendia a luta armada).

- Vemos no "Marcha" uma defesa da Revolução Cubana, ampla cobertura dos eventos ocorridos em Cuba (praticamente uma "cubanofilia") e uma apropriação de um elo simbólico com Cuba (cobertura de datas ligadas à Revolução, incentivo a artistas favoráveis ao regime cubano e ampla divulgação dos discursos de Fidel Castro).

- A "cubanofilia" do "Marcha" se avoluma a partir da morte de Che Guevara, iniciando um culto a Che através de publicações, concertos, teatros, etc, e celebrando os ideais de voluntarismo e luta armada.

 

3ª explanação: Henrique Soares Carneiro - "A vodka e a Revolução Russa"

 

- Se analisarmos a formação de diversos Estados modernos (especialmente os europeus), veremos que se fundaram no tráfico de bebidas e outras drogas.

- Braudel aponta o século XVII como o século da revolução da destilação. Neste sentido, vemos, por exemplo, a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) como popularizadora dos destilados (caso da "coragem holandesa", que na verdade é o gim, bebida dada aos soldados no campo de batalha).

- Com a popularização dos destilados, também cresce o uso de outras drogas e, com ele, o proibicionismo (caso da proibição da produção de bebidas alcoólicas nos EUA) e o combate a drogas derivadas da papoula, da cannabis, etc. No século XX, o combate às drogas chegou a ser um fator que "une" os lados da Guerra Fria.

- O proibicionismo alcoólico dos EUA foi um dos principais fatores que originaram o modelo coercitivo do Estado norte-americano.

- Na Europa Oriental, o movimento operário nasce nas tavernas e em outras áreas nas quais os trabalhadores se reuniam para beber.

- No século XVI, Ivan, o Terrível, estatiza as tavernas russas (os "donos" das tavernas eram obrigados, por exemplo, a beijar imagens do czar), transformando as mesmas em espaços de poder para vigilância (era proibido criticar o governo dentro das tavernas). Com a estatização, o consumo de vodka vira uma estrutura de vigilância da parte do poder estatal, ao invés de ser instrumento de organização dos trabalhadores (isto seria visto até o século XX, quando Stálin obrigava seus assessores a se embriagarem com vodka nas reuniões da assessoria com o presidente).

- O álcool se torna base da arrecadação do Estado russo (este era viciado nas rendas que a vodka fornecia).

- No século XIX, o Estado russo flexibiliza a produção da vodka, ajudando a enriquecer algumas famílias produtoras da bebida (caso dos Smirnoff), mas o czar Nicolau II volta a estatizar a produção (fato contra o qual até mesmo Lênin se posicionou contrário).

- Uma cultura alcoolista, associada ao monopólio estatal da vodka (nobreza produzia e o Estado vendia), pode ser considerada um dos fatores das derrotas russas em guerras (soldados alcoolistas). Em virtude disto, no início do século XX o Estado russo começa a combater o consumo de álcool (em 1914, por exemplo, Nicolau II chega a proibir o consumo de qualquer bebida alcoólica).

- Em razão do combate ao consumo de vodka, Nicolau II (que perdera um tio abstêmio) enfrenta resistências populares e a produção clandestina, tem queda na arrecadação, perde recursos com a compra de estoques, monopoliza a rede ferroviária russa para exportar vodka (o que paralisa a infraestrutura do país), perde o fornecimento de cereais da parte dos camponeses (que vendiam para a produção de vodka e, muitas vezes, recebiam salários com vodka).

- A Revolução Russa mantém a proibição do consumo interno de vodka. Os bolcheviques chegaram a descartar estoques de vodka e vinho, mas populares saquearam os estoques e, com isso, o governo criou uma polícia coercitiva que deu origem à KGB.

- Na década de 1920, o governo russo aos poucos legaliza o consumo de álcool, cedendo às pressões da crise social gerada pelo proibicionismo.

- O consumo de vodka na Rússia é tão enraizado que deu origem até mesmo a uma expressão utilizada por corruptos: "Uma garrafa por um favor".

- Na década de 1960, o governo de Gorbachev inicia uma campanha antiálcool na URSS (com toques autoritários e stalinistas), mas sem êxito.

- O monopólio estatal russo sobre a vodka só vai cair em 1992, no governo de Boris Ieltsin (tido como o "presidente mais bêbado da história").

- Em 1994, 62% da vodka russa era produzida na região da Ossétia.

- Atualmente, é possível perceber, em torno da produção e venda de vodka, uma parceria entre Vladimir Putin e a Igreja Ortodoxa Russa, que, por um lado, são conservadores quanto ao consumo de drogas, mas, por outro lado, detém monopólios ligados ao consumo de drogas (a Igreja Ortodoxa, por exemplo, é forte na importação de tabaco).

 

 

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