XVI Semana de História - UFSJ

13/12/2017 06:04

XVI Semana de História da Universidade Federal de São João Del Rei

23 a 26 de outubro de 2017

 

Anotações do evento

 

23 de outubro

Conferência de abertura: Prof. Dr. Ricardo Salles

- No Brasil, a escravidão se renova a partir do momento em que há pressões pelo fim do tráfico internacional de escravos. O fim do tráfico negreiro (ao menos legalmente) faz a escravidão rever conceitos no Brasil, nos Estados Unidos e em Cuba – ideia de uma segunda escravidão.

- Pensar Antonio Gramsci para o Brasil é pensar as superestruturas, relacionando-a com a escravidão no século XIX.

- Quem pensa política no século XIX pensa em liberalismo, modernidade e Estado Nacional, pensando pouco na escravidão; já quem pensa na escravidão no século XIX pensa pouco na política e foca mais em outras questões.

- No século XIX, a escravidão no Brasil era pensada como um “mal necessário”, algo que acabaria um dia, mas que não poderia acabar naquele momento.

- Ilmar Matos, no livro “O tempo Saquarema”, aborda a facção Saquarema (Rio de Janeiro) na condução do processo de formação do Estado Imperial brasileiro (uma direção moral e intelectual do processo) enquanto construção da hegemonia de um grupo social sobre os outros (pesquisar a ideia gramsciana de “hegemonia”).

- Em Gramsci, “intelectualidade” tem a ver com a autonomia de formular políticas em relação à classe, mas sem deixar de lado os interesses da classe.

- A independência do Brasil teria sido uma “revolução passiva” (pesquisar este conceito gramsciano).

- Pensar Gramsci e sua relação com o Brasil do século XIX sofre críticas pelo fato das ideias gramscianas serem consideradas para sociedades capitalistas, europeias, do século XX e de classe, ao contrário do que era o Brasil no século XIX (escravista e socialmente estamental).

- Porém, uma leitura mais detalhada de Gramsci permite defender sua aplicação ao Brasil oitocentista, visto que Gramsci, na elaboração de parte de suas ideias, lê e analisa o que ocorria na Europa do século XIX (especialmente a Itália), mesmo vivendo ele próprio em um contexto de fascismo. Para elaborar, por exemplo, o conceito de “revolução passiva”, Gramsci analisa uma situação específica e reelabora o conceito ante outras situações históricas, o que permite também ao historiador reelaborar o conceito gramsciano em relação ao Brasil oitocentista.

- Quem estuda escravidão no Brasil deve responder: Por que havia abolicionismo nos EUA e na Europa na década de 1830 e no Brasil só passou a ter este movimento, com expressividade, na década de 1870?

- Entre 1800 e 1850, vemos o Brasil, o sul dos EUA e a Europa Ocidental com uma mesma cultura política, estando diferentes quanto às fontes de formação do Estado Nacional, porém a mesma linguagem cultural (liberalismo restritivo, moderado e de classe).

- Até a década de 1860, no Brasil, a ideia de liberdade envolvia o não ser escravo e o poder de ter escravos, levando-nos, por este prisma, a entender o porquê de ex-escravos adquirirem escravos quando ficavam livres.

- No livro “A política da escravidão no Império do Brasil”, Tâmis Parron defende que o século XIX no Brasil trata a escravidão como questão de circunstância, um mal necessário, e não como “vontade divina” ou superioridade do branco; para o autor, as pessoas até achavam ruim a escravidão, mas pensavam que tudo pioraria sem ela (em analogia àqueles que dizem detestar a pobreza, mas não imaginam o mundo sem ela).

- No livro “A verdade nunca foi dita”, Edward Baptist aponta que, no século XIX, o capitalismo americano se alimentava da escravidão; no entanto, tal ideia levanta um questionamento: se isto realmente ocorria, por que americanos aceitariam morrer pelo fim da escravidão na Guerra de Secessão (1861-1865)? Aqui, portanto, caberia separar o escravismo do capitalismo ao se pensar os EUA oitocentistas.

- Indicações de leituras: “Classes conservadoras” (artigo de Bernardo Pereira de Vasconcelos); livro “Gramsci’s Historicism”, de Esteve Morera.

 

24 de outubro

Mesa Redonda: “Tugu-Ná”, Prof. Manuel Jauará

 

Palestra: “O problema da medição na mecânica quântica: análise lógica de algumas tentativas de solução”, Prof. Dr. Moisés Romanazzi

- Pensar o conceito de “representação” como tradutora do real.

- Representar é assimilar; o que vemos é o que nossos olhos representam da realidade.

- A metodologia da Mecânica Quântica poderia ser aplicada à História pois esta estuda a realidade em ato (“Por que foi assim e não de outro jeito?”).

 

25 de outubro

Conferência: “História medieval e a formação do historiador brasileiro: epistemologia e políticas de área”, Prof. Dr. André Miatello

- É preciso pensar o lugar do medievalista na academia, ante os desafios de se pensar a própria Idade Média e sua presença na vida atual.

- “A Idade Média não existe” – Amalvi, Christian. Idade Média. In: Dicionário Temático do Ocidente Medieval, 2006, v. 1, p. 537-551.

- Dois personagens são muito importantes para pensarmos o período medieval: Francesco Petrarca e Giordano de Pisa.

- Francesco Petrarca (1304-1374) detestava a universidade por achar que esta não cultiva o estudo pelo estudo (colocando-o apenas pelo lado prático). Petrarca é considerado um dos forjadores da expressão “Idade Média” (Ad Franciscum priorem, Epistolae metricae, III, 33): “... pois houve, e certamente haverá de novo, uma era mais feliz. No meio, em nosso tempo, vedes a confluência de ignomínias e torpezas; o ninho dos grandes males nos possui”. O trecho reflete uma opinião elitista, que vê a burguesia como “ascensão de iletrados” e se refere às ignomínias e torpezas no sentido da educação e da ascensão de grupos considerados rudes.

- Giordano de Pisa (1260-1311), que era professor universitário, afirma (Predica XXV, Ed. Riccardi, 1739, p. 152-153): “Porém, a nossa ignorância deve-se à nossa negligência em ler, porque temos tudo à nossa disposição (...). Estamos num tempo de luz pelos muitos doutores e mestres que temos hoje. Antigamente não tinha muitos mestres, e quando havia, eram raros e de pouca condição; um só mestre costumava bastar para toda uma província (...). Mas hoje existem inúmeros mestres, todas as cidades estão cheias deles (...)”. Pisa, portanto, via sua época como uma “era de luz”, ao contrário de Petrarca. No entanto, a fala de Petrarca acabou dando mais base que a de Giordano para aqueles que, no século XIX, estigmatizaram a Idade Média como “era de trevas”.

 

Pintura na Sala Della Pace, em Siena, de autoria de Ambrogio Lorenzetti, em 1339.

 

- Por que estudar Idade Média? Porque ela é ATUAL! Há um grande interesse mercadológico em torno da Idade Média, que acabou virando um produto de sucesso (filmes, jogos, valorização dos produtos orgânicos vindos da agricultura familiar, etc). Aqui, vemos uma característica do mercado: ele determina qual passado deve ser valorizado e vendido.

- A Idade Média se atualiza nas várias adaptações artísticas, como as de Ariano Suassuna, e nos vários usos de lugares medievais que até hoje são parte do cotidiano europeu (por exemplo, a Catedral de Milão, erguida ao longo de vários séculos principalmente com doações de pobres, prostitutas, artesãos e outros grupos vindos do povo).

 

Acima: uma das Iluminogravuras de Ariano Suassuna (século XX); abaixo: uma gravura de Beatus de Facundus (século XI).

 

- Umberto Eco, em seu texto “Dez modos de sonhar a Idade Média” (livro “Sobre os espelhos e outros ensaios”), aponta que “a Idade Média inventa todas as coisas com as quais ainda estamos ajustando as contas” (p. 78): bancos, universidades, ciência como comprovação da verdade, relação Estado x Igreja, entre outras.

- Paul Zumthor destaca o caráter exemplar da Idade Média, apontando-a como um tempo histórico completo (laboratório), um termo de referência (gerando amor ou ódio da parte de quem estuda o período), além de qualificar a Idade Média como o “outro” de nós mesmos, uma válvula de escape social.

- Da Idade Média também temos, como atualidade, o poder da Universidade e dos professores, inclusive com um longo histórico de perseguições a curandeiros que não se encaixavam no ideal científico (médicos e professores “caçavam bruxas” mais do que a Igreja).

- Sobre a importância do estudo do período medieval no contexto brasileiro, temos o trecho de Alberto da Costa e Silva (livro “A enxada e a lança: a África antes dos portugueses”, 3ª ed., p. 15): “Jamais saberemos o que realmente fomos, se não a desfiarmos [a história brasileira] pelo menos desde Afonso Henriques, na praia ocidental da Península Ibérica, e desde Nok e a expansão dos bantos, no continente que a nós temos defronte”.

- A Idade Média nos deu, entre outras coisas, a língua que falamos e as ideias de casamento e matrimônio como relações jurídicas (no período medieval, o primeiro designava a relação jurídica entre homens quanto a doação de terras e o segundo se referia mais diretamente a relação jurídica de união entre homem e mulher; ambas as ideias têm suas raízes no Império Romano).

- Fernão Cardim, em “Tratados da terra e gente do Brasil” (1583), faz diversas referências a elementos medievais em Pernambuco.

- Um dos grandes exemplos do contato da cultura medieval com a história brasileira é a obra “História do imperador Carlos Magno e dos doze pares de França”, traduzida ao português em 1737 por Jerônimo Moreira de Carvalho e que, ao ganhar espaço na cultura popular brasileira, foi uma das influências sobre os movimentos de Canudos (1896-1897) e do Contestado (1912-1916), especialmente nas ideias relacionadas ao sebastianismo, ao messianismo, ao milenarismo e a monarquia. Estes movimentos tinham uma tônica de resistência à República, forma de governo considerada fruto da ciência e que, ao longo da história brasileira, persegue as religiões ditas anticientíficas (tramas, incorporações, etc), como o espiritismo, o candomblé e a umbanda.

- Sobre o Contestado, o jornal “O Dia”, do Partido Republicano Catarinense, ao atestar a influência de temáticas medievais no movimento, cita Duprat – “assignala que as cruzadas da edade média (...) são casos de loucura coletiva” – e afirma que “na organização do estado maior dos fanáticos, encontra-se a influência da ‘História de Carlos Magno’, tanto assim que em Taquaruçu existem os Doze Pares de França” (edição de 17/12/1914, p. 1).

- Feitas todas as considerações até aqui, cabe-nos perguntar: Para que serve o medievalismo? A resposta é: Para alargar os limites do pensável!

 

26 de outubro

Oficina – LABDOC:

- Funciona no 1º andar e com estrutura suspensa para evitar a passagem de umidade do chão para os documentos.

- A parte de consulta a documentos funciona no 3º andar por questões de segurança (evitar roubos de documentos).

- A fiação elétrica é externa (em canos fixados às paredes) para evitar curtos e incêndios.

- A restauração de documentos engloba processos como: congelamento em freezer ou armazenamento em máquina de hidrogênio (para desinfestação), higienização, arquivamento, leitura visando a organização e o fichamento.

- Além dos processos químicos para restauração de documentos, é possível também a utilização de papéis para o restauro, cobrindo lacunas causadas pelo desgaste documental (papel de algodão, comum na vida cotidiana até a década de 1880; papel de celulose, antes produzido com PH ácido, embora atualmente predomine a produção com PH alcalino).

 

 

Licença Creative Commons
 

Pesquisar no site

Contato

Intimidade com a História